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Sempre reservado a um momento de efusão sentimental, Andy Warhol parecia, desde a tenra infância, desprovido de emoções. Parecendo insensível, ele passava, portanto, por cruel, inescrupuloso. Entretanto, a falta de sinais exteriores de sensibilidade não basta para afirmar de alguém que ele é mal-intencionado. Ao longo de sua vida, Warhol sempre se expôs ao ressentimento dos outros, que o acusarão de ser um aproveitador perverso, um frio calculista que escondia seu jogo sob uma doce placidez. […]

Mas não sentir, ou se ressentir, é uma coisa; ser cruel ou agir para prejudicar outrem é outra. Digamos que tudo se passava como se Andy Warhol fosse dotado de um anestésico natural, de uma faculdade neutralizante, que bloqueava os sentimentos, os tremores emotivos, as comoções sentimentais ou patéticas. Numa entrevista de 1975, por ocasião do lançamento de seu livro A filosofia de Andy Warhol, o jornalista lhe pergunta: "Você faz de si mesmo uma espécie de espaço vazio neste livro. É uma observação sincera, um achado, ou uma pose pra vender o livro?" Andy Warhol respondeu: "Não. Acho que sempre fui assim". A imagem do "espaço vazio" convém perfeitamente, sem dúvida. Ela corresponde a sua experiência "interior", que trabalha para se negar como interioridade. Anular a profundeza, recusar afogar-se no "esgoto da consciência", estar sobretudo na superfície e não sofrer os movimentos aleatórios e caprichosos de sua sensibilidade, não se deixar encerrar na prisão de sua subjetividade — são outros objetivos implícitos que Warhol se propunha com seu "voto" de insensibilidade.

[…] Mas, concretamente, se Warhol queria extirpar suas emoções, foi com certeza porque pretendia privilegiar uma outra relação com o mundo em geral, e com sue ambiente imediato em particular. Sua percepção do mundo, não sendo tingida e banhada pela emoção, seria intelectual, irônica e icônica — idéia, enquadramento e imagem, eram essas as categorias que povoavam seu espírito e organizavam seu pensamento. A plasticidade de sua maneira de pensar o fazia perceber o mundo de uma determinada maneira, sem indignação, sem tristeza, sem cólera, mas na forma de uma observação curiosa, forçosamente distanciada — irônica. […] Ocorre que alegria não se distingue da tristeza só pelos seus efeitos, mas, talvez, antes de tudo, por seu status: a alegria não é uma emoção que comove, mas um estado mental que sanciona uma compreensão intelectual e perceptiva do mundo. Com a alegria, ou a ironia, as pessoas desmancham a armadilha da consciência e da subjetividade, se desfazem do ponto de vista calcado na estreiteza do que chamamos, aliás, de interioridade, ou de intimidade, que com frequência lamenta. Com essa configuração mental, o jovem Andrew aprendeu rápido.

KORICHI, Mériam.